Ele gritava uma dessas línguas cheias de consoantes que eu ainda não resolvi
meter dentro da cabeça: ele; vagão de palavras recém mergulhadas no álcool
balançando na tentativa de chutar um amigo que o mantinha de pé. Certamente não
poderia saber a tradução do que ouvia, mas a mensagem foi-me ficando cada vez
mais fácil de decifrar. Linguagem de bêbado é internacional, ou ao menos nesse
estágio da bebedeira em que todo mundo chega um dia, especialmente quando na
companhia dos amigos mais de perto do peito. Qual daquelas palavras será que
era FILHODAPUTA?
Chegou o chefe do trem se apresentando como tal, apesar da roupa que já indicava. Ele era portador do vírus que faz com que o cargo vire o primeiro nome das pessoas, - oi, eu me chamo trabalho.
E sempre quando chega o chefe ou qualquer uma ou outra autoridade
a gente pensa que vai acontecer algo e fica esperando ou gasta saliva pagando
pra ver o que na verdade já aconteceu. Mania antiga de viver no futuro, homens
das cavernas ansiosos pra riscar o palitinho do dia de amanhã e a gente sempre
olhando no relógio. O que vamos fazer depois?
A essas horas meu vizinho de banco cheio de vinho já me pedia desculpas pela situação com o amigo que havia se tornado um tanto alta e agitada, essas falsas cordialidades o impediram de perceber que eu tava só ali, vivendo. Conversamos num italiano cheio de sotaque, de poucas palavras e muitos gestos.
Eu tinha trocado de lugar pra escrever isso aqui sem que
ninguém ou muita gente visse, e a culpa falou pra ele que meu movimento
representava incômodo. Mas na verdade o incomodado foi ele, e, bem, eu sabia
que isso ia acontecer... Essa coisa aqui, esse algo que não sei o que é me
avisou. Mas sabe como é, o barulho do trem tcheque-tcheque-tcheque-tcheque
entrecortado por um blábláblá e outro vai deixando a gente cada dia mais surdo
pra ruídos internos.
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