Os olhos de Íris me puxaram pra fora PARTE I

Primeiro dia de outono: o frio entrando sem bater na porta. Arrastei-me através das horas como se um cálculo qualquer me disponibilizasse a certeza de um amanhã mais legalzinho. Enruguei os olhos, encolhi os ombros, guardei os números com cuidado, fechei a alma e fui. Percorri pessoas e ruas rápida e pesadamente; não constavam os vínculos na falsa aritmética do meu pensamento nublado. O resultado da conta era a parada de ônibus, e fim. Alguns passos breves na rua e lá estava ela, como sempre esteve, e como, naquele momento, eu sabia que sempre estaria. Seu casco amarelo e metálico abarrotado de pés impacientes. Pés com botas, pés de chinelo, pés em degraus, pés friorentos, pés sem forma de pés; Todos saídos da mesma fôrma. E eu apenas me juntei à eles, zanzando de um lado ao outro, olhando nos olhos dos ônibus que chegavam: esquerda, direita, esquerda, direita, esqu... PLOFT! Uma mala no meio do caminho. Do chão eu quis encontrar a causa do meu desmoronamento. Vi  pés sacanas... Os dedões conversavam de frente, desequilibrando a comunicação das outras partes do corpo. Fitei-os por alguns segundos, mas logo levantei para seguir minha marcha da espera. Essas coisas não constavam na matemática do meu dia, e poderiam tornar a conta muito, muito, muito, longa. Eu só queria o gráfico da reta. Ao virar de costas e reiniciar as passadas, ouvi um som bizarro. Uma espécie de grunhido, mas que no fundo viravam umas sílabas. Ouvi de novo, e de novo, até conseguir distinguir: - MO-ÇA!
BAM. Bem no meio da divisão. Senti como se a ponta de um alfinete tocasse meu cérebro, e desse toque irrompesse um ar gelado, que se espalhou por todo o meu corpo, arrepiando e congelando. Já não pensava mais em nada, mas sentia vontade de olhar melhor para aquela voz torta.
Virei. Eram os pés donos da mala que me chamavam. Pés que tinham pernas, que tinham tronco, pescoço e cabeça. Cabeça que tinha boca, nariz e principalmente olhos. E braços que seguravam o andador. Meu coração saltitava dentro de minha caixa torácica, irradiando um calor mole que derretia o gelo do momento anterior. Nada disso era esperado, mas tudo isso começava a me importar. Encontrei na minha frente muito mais do que apenas membros inferiores. Encontrei um ser, que apenas por o ser já ameaçava arrombar minha alma, mas isso só eu sabia.
Naquele dia eu chava mesmo que não tinha espaço pra nada além de pernas que levam umbigos pela (velo)cidade.