Desassossegadamente...

"[...] penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a
substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de
milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança
sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo
mais porque vivo maior."

Fernando Pessoa

Àqueles...

Hoje me dei conta de que me faz falta me comunicar por inteiro. Falar aquelas coisas mirabolantes que se pensa, aquelas perguntas sem respostas... Instigar, trocar idéias, contruir conceitos em conjunto.
Me angustia ter que prender meus pensamentos aqui dentro porque não vai adiantar falar... me angustia não poder falar a primeira coisa que me vem na cabeça, porque não vão entender. Me irrita ter que pensar duas, três vezes, muitas vezes, e no fim não falar nada. EU NÃO SEI NÃO FALAR NADA. É muito ruim pra mim ficar quieta, paralizada. Isso ta me consumindo... me estressando... me pesando. Me sinto travada e até um pouco estúpida. Alienada.
Eu quero discutir o sexo dos anjos, foda-se se não tem resposta. Eu quero falar sobre o universo, sobre a física quântica, o tempo, os anoz luz, a imensidão, as almas e os buracos-negros... Quero expressar meus entendimentos sobre o que não se entende, e quero receber experiências alheias! Quero falar de vida após a morte, sobre comunicação há anos atrás e sobre o mundo daqui a quarenta anos... Repensar a moral e a ética, as civilizações antigas e os conceitos de juventude moderna. Quero atacar a política e matemática, quero planejar a construção da paz e a divisão das contas de um apartamento entre amigos! Quero dividir o que os meus olhos vêem, a lua, o sol, a natureza... Quero discutir os gostos. Isso mesmo. Quero argumentar sobre porque as pessoas deveriam gostar de roxo, ou de drogas (quero discutir sobre o que realmente é uma droga). Foda-se. Quero medir preconceitos, diminuí-los, descobrí-los, criá-los... Quero inventar um país, um objeto, uma bebida. Quero conversar sobre o gosto do que eu como, que não tem o mesmo gosto pra todo mundo. Quero concluir que melancia tem gosto de banana com limão. Quero renomear as coisas, as pessoas, os sentimentos e as músicas. Cantar, tocar um instrumento mesmo sem saber, e inventar uma dança. Dançar até a lua ir embora e o sol voltar. Quero observar, e trocar figurinhas. Quero combinar coisas que não dão certo, e também não combinar aquilo que dá muito certo. Eu quero sair caminhar sem direção, e observar coisas diferentes... como sair olhando pro lado da rua que tu nunca olhaste. Quero inventar o que se há pra fazer. Quero combinar de, num dia chuvoso, apostar corrida pelada de patinete, ou de algum dia simplesmente não ligar as luzes da casa... Ou quem sabe também trocar o dia pela noite, usar a blusa virada, ir no cinema sozinha e não ver televisão. Pra cada uma dessas coisas eu quero ter minhas teorias mutantes. Quero falar, discutir e argumentar... quero me deixar transbordar de palavras. Quero ser inteiramente eu.

Assim como eu sou com aqueles que se dividem junto a mim.

"A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, e sim em ter novos olhos" (Marcel Proust)

Meus pés podem pisar todas as partes desse mundo, mas se minha mente e meu coração estiverem fechados, vou voltar para casa sem ter ido a lugar algum: a famosa volta dos que não foram...
Sinto como se tivesse acabado de chegar aqui - desembarqei essa semana - e fico feliz de ter descoberto isso.

Mas e todos estes dias que passaram? Ainda não computei o oceano de sentimentos, comportamentos e pensamentos diferentes que desaguou em mim, ou que eu desaguei por essas bandas... mas penso que tudo isso pode ser fruto de uma incrível e (in?) consciente resistência cultural que brotou no meu sangue. Ou que se despertou instintivamente...
Eu lembro de até ter dobrado uns dois ou três pares de razão, mas só coube um na mala. O resultado foi essa selvageria de sentimentos que se alojou em mim, e veio pra ficar.
É estranhamente gratificante ter as emoções pulsando nos poros da minha pele, loucas para explodirem, pra me fazerem sentir mais viva;
É diferentemente bom me sentir mais brasileira... mais latino-americana, e ao mesmo tempo poder contar das diferenças marcantes do meu estado, que não faz parte da visão internacional do Brasil;
É incrivelmente interessante me observar ocupando lugares diferentes dentro de uma instituição de ensino, dentro de uma casa, dentro da vida das pessoas;
É simplesmente apavorante olhar para as minhas relações um pouco mais de longe, e sentir elas dentro de mim... tão perto;
E é gigantescamente importante poder me expressar através destas palavras, que não serão as últimas.

Uma ótima vida a todos...