dois

A pele que sente o calor do toque antes do toque
Alerta além dos cinco sentidos
De olhos fechados dança melhor
O ritmo do tambor vermelho
Que guarda no peito.
E quanto mais fundo pisa
Melhor percebe a epiderme alheia.
Não entendo muito bem essa coisa de proporções...

Colarinho branco, tarja preta


(Eu uivo* no meu tom)

Eu vejo os expoentes de todas as gerações,
socando pílulas nas próprias cabeças
pra tentar corrigir as próprias cabeças.
Eu ouço eles, eu nos ouço todos
gritando, gargalhando desesperadamente
nas festas de fim de ano da empresa
A gravata segurando o pescoço,
alicerce principal da magnificência
de um não-ser humano bem sucedido
Os olhos pregados no umbigo
a consciência corroída virando poeira
pisoteada pelas solas manchadas de sangue.
Eu vejo os sonhos diluídos em moedas de ouro
escorrendo pelos colarinhos estaqueados
e anéis ofuscantes.
Vejo um mercado lícito de ideologias
que se vendem por umas pitadas de conforto
que se trocam, rastejam, arranham
pra acariciar a seda
lustrar o Ford...
Calçar a própria alma, salto alto.
 Escravos do próprio rendimento do mês
relaxam varrendo o chão comprado com emprétimo
que precisa de outro empréstimo pra pagar.
Fisgados, amordaçados, mudos,
eles nunca mais vão conseguir parar de andar nesse roda
ratos de laboratório
carrossel eterno que move os preços da vitrine da esquina.
Mas é bom estar bem, eles dizem,
olhando pra prostituta na Farrapos...
Achando um disparate
trocar o corpo por uns reais reais.
Eles...
que preservaram a carcaça encerada e entregaram
na bandeja
o direito de poder andar sem apertar o cu
o brilho que saía, e nao sei como as vezes ainda sai,
das caras deles quando eles se lembram daqueles tempos na floresta.
Ainda sobrevive um resto
uma reba
selvagem na artificialidade
dos desejos de concreto.
Esses dentes de cocaína
ah, esses dentes de cocaína
essas cabeças de fundo de garrafa
vestidas de tarjas pretas...
Malditos macacos corcundas
que perderam o rabo
E sequer sustentam o peso
que as próprias idéias trouxeram pro mundo.

 (*poema feito depois da leitura de O Uivo, de Allen Ginsberg, escrito como eu gosto de escrever, sem pretensões)